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O sistema prisional brasileiro não foi estruturado para cumprir a tarefa de ressocializar quem é condenado ou para diminuir os índices de violência. Para Sergio Graziano, especialista em Direito Penal, é um mecanismo criado para controlar as massas e as demandas sociais. Ele explica que os presídios são um “referencial político ideológico” que orienta a forma como poder público atua perante problemas sociais de grande complexidade. “É mais fácil criminalizar condutas, como é o caso das drogas ou das manifestações sociais, do que estudar e produzir políticas públicas que tentem resolver os problemas”,observa.
Sobre a progressão de regime, dispositivo bastante discutido, após o julgamento da Ação Penal 470, conhecido como julgamento do mensalão, Graziano ressalta a importância de garantir que o condenado volte a se integrar com a sociedade, visto que, durante o tempo que fica preso, vive um processo de estigmatização e de perda da sua identidade.
O especialista ainda defende que as prisões sejam “100% reformadas”, discutindo-se, além das mudanças estruturais, a concepção dos presídios e o papel que eles cumprem na organização da nossa sociedade.
Última Instância - Qual o papel que o sistema prisional brasileiro tem cumprido na organização da nossa sociedade?
Sergio Graziano: À semelhança do que acontece nos EUA, no Brasil as penitenciárias têm um efeito de contenção das massas. No Brasil, por não ter passado exatamente por um processo de Estado de Bem Estar Social, nem mesmo por um processo de necessidade de docilização de mão de obra, jamais teve o papel de ressocializar o condenado. A prisão está sendo utilizada muito mais para referencial político ideológico, de contenção de massas e, inclusive, para aderir a propósitos mais fáceis. Tento explicar: é mais fácil criminalizar condutas, como é o caso das drogas ou das manifestações sociais, do que estudar e produzir políticas públicas que tentem resolver os problemas sociais. É mais fácil aumentar as penas e prender pequenos traficantes do que debater a questão das drogas com seriedade. É mais fácil criminalizar os movimentos sociais do que estudar mecanismos de reforma agrária.
Ao longo do tempo, se construiu uma imagem de que a cadeia é um espaço para se “punir” quem comete um crime e não um espaço para a reeducação ou ressocialização. O senhor concorda com essa avaliação? Como enxergar esse quadro?
Graziano: Creio que pena de prisão não cumpre nenhum dos dois papéis, pois até pode punir, mas age muito mais como estratégia de poder político e, num segundo momento, em hipótese alguma podemos pensar em reeducação com a estrutura do sistema penal/prisional que existe. É extremamente seletivo, pois ataca somente determinadas classes sociais, jovens, negros e é fragmentário, pois atua somente em determinados momentos.
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Qual o princípio que “inspira” a existência do regime de progressão? Qual a importância dele?
Graziano: Teoricamente, como a ideia é que a prisão seja para reeducar, reinserir etc, o condenado deveria ficar na prisão o tempo necessário para receber a educação necessária para poder viver em sociedade e voltar, aos poucos, à sociedade livre. De certa forma é importante esse mecanismo, especialmente porque este sistema de progressão não funciona como declarado e, neste caso, o condenado sofre os malefícios do aprisionamento como a estigmatização e a prisionização (perda de sua identidade), ou seja, quanto menos tempo ele ficar na prisão melhor.
"Condenado deveria ficar na prisão o tempo para receber a educação necessária para poder viver em sociedade", diz Graziano
Como se dá o acesso a progressão de regime? Quais requisitos necessários para obtê-la?
Graziano: Os critérios são, na maioria, objetivos, muito embora também haja as condições subjetivas que o juiz da execução criminal deve observar no momento de determinar como será cumprida a pena. Há exceções, em especial quando o condenado é reincidente e o crime é hediondo, mas a regra geral é da seguinte forma: O condenado a pena superior a oito anos deverá cumpri-la em regime fechado; O condenado não reincidente cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito anos, poderá desde o início cumpri-la em regime semiaberto; O condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá cumpri-la desde o início em regime aberto.
Uma das críticas a justiça brasileira é que o “acesso a lei” depende muito da condição financeira, a obtenção da progressão de regime se encaixa nessa realidade?
Graziano: A obtenção da progressão de regime independe da condição financeira, mas muito mais de critérios objetivos, contudo as pessoas condenadas e presas que contratam advogados particulares tem maior oportunidade de ver seu direito de progressão de regime ser atendido, isto porque, dependendo do advogado (especializado na área criminal) ele sabe quais os mecanismos e direitos do seu cliente, podendo fazer os recursos necessários para vê-los atendidos.
O indulto também é visto como um “benefício” a qual o preso não deveria ter direito. Qual sua opinião sobre isso?
Graziano: Vejo o indulto com muita reserva, pois na verdade é um situação muito simples, pois só em determinados casos é possível conceder o indulto. Parece muito mais como política criminal de esvaziamento de prisões, não há qualquer privilégio, normalmente são condenados a crimes sem violência à pessoa.
Por quais mudanças o sistema prisional brasileiro precisa passar?
Graziano: O sistema penal, como existe hoje deve ser 100% reformado. A mudança deve ser na concepção e não só na estrutura. Devemos pensar em mudar, por exemplo, a ideia de que a prisão serve para ressocializar e pensar que pode servir, apenas para conter conflitos imediatos e para crimes graves, como homicídios e crimes com violência à pessoa e, somente, em última hipótese, não mais como regra, mas como exceção!
FONTE: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/68360/Prisoes+existem+para+controlar+massas+e+demandas+sociais+diz+especialista.shtml
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