Projeto apresentado à
Câmara dos Deputados pelo governador 'foge do real enfrentamento da
violência e seria apenas reedição de outras ações de igual teor
propostas por Alckmin', dizem ativistas ouvidos pela Rede Brasil Atual
São Paulo –
Defensores dos direitos da criança e do adolescente consideram
ineficiente e retrógrada a proposta do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB),
de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando o tempo
de internação de adolescentes em situação de conflito com a lei para até
oito anos. O projeto prevê também a criação de unidades de atendimento
diferenciado para casos considerados graves
ou para jovens que atinjam 18 anos em quanto cumprem a pena.
O documento foi apresentado terça-feira (16), na Câmara dos Deputados, onde recebeu a definição de Projeto
de Lei 5.385/2013. Segundo os especialistas, as medidas defendidas não
são novas e representam um afastamento do enfrentamento efetivo da
violência.
A proposta apresentada
por Alckmin altera artigos do ECA, do Código Penal e do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), propondo punição mais
severa aos jovens que cometem atos infracionais graves, como homicídio,
latrocínio, estupro ou sequestro. Além disso, estabelece o Regime
Especial de Atendimento, para casos de reincidência, participação
em rebeliões, adolescentes que forem considerados casos graves ou
que completarem 18 anos e ainda tiverem internação a cumprir. Esse
regime, propõe o governador, deve ser instituído em unidades
específicas, com vigilância reforçada, mas não em cadeias comuns.
Para a coordenadora da
Associação Nacional dos
Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Mônica Brito,
a proposta de redução da maioridade penal está associada à
criminalização da pobreza. “Os gestores não têm interesse em
promover a juventude, em efetuar as políticas previstas na lei.
Então se criam meios de jogar para o aparelho carcerário e punitivo
os grupos sociais mais vulneráveis. O encarceramento parece ser a
única saída saída no Brasil para essas questões. No entanto, até
hoje, sem qualquer medida que resolva efetivamente o problema”,
analisa.
As discussões sobre a
redução da maioridade penal, e os projetos apresentados nesse
sentido, têm se pautado pela argumentação de que o adolescente
infrator não é punido. Mônica considera isso um mito. “Está se
confundindo inimputabilidade com impunidade. Criticam o estatuto por não
ter punição. O que ocorre é que o jovem não sofre pena porque o
objetivo da ação é de educação, pois entende-se que o menor é
um sujeito em formação. As medidas socioeducativas devem dar a ele
condições de escolher o melhor caminho, de aprender. E são até
três anos de internação, fora do convívio social, o que não é
pouco”, explica.
Além disso, a coordenadora lembra que o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 da
Organização das Nações Unidas (ONU), o que limitaria as condições de o
país reduzir a maioridade penal, por infringir as normas de tal
convenção.
A conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda) Miriam Maria José analisa que a
legislação já é
eficiente, e o que falta é o Estado cumpri-la. “A lei responde bem
quanto à responsabilização do adolescente, já a partir dos 12
anos. Também quanto às ações preventivas para evitar que o jovem
cometa atos infracionais. O que a gente precisa é que o Estado
cumpra as proposições estabelecidas no Estatuto, a Constituição e
invista em políticas públicas e no fortalecimento das famílias”,
afirma. Maria acrescenta que o Estado também deve possibilitar a
reabilitação dos jovens internados por meio de ações ligadas ao
trabalho e ao estudo.
Para o especialista em
segurança pública e ex-conselheiro do Conanda, Ariel de Castro
Alves, a proposta é oportunista e demagógica. “Não é a primeira
vez que, após casos de grande repercussão nacional, o governador se
manifesta dessa forma. Em 2003, 2005 e no ano passado ele já fez
propostas parecidas. Além disso, a separação por idade e por tipo
de crime já está definida no ECA, bem como a internação especial
de jovens com problemas mentais. Mesmo a punição para adultos que
praticam crimes acompanhados com adolescentes já está estabelecida
no estatuto” – a questão é tratada no artigo 244-B do ECA.
Além disso, Alves
pondera que o projeto, embora não proponha a redução da maioridade
penal, pode ser questionado constitucionalmente por propor a
internação de até oito anos. “O artigo 227 da Constituição é
muito claro quando fala da brevidade da internação. É preciso
considerar que é um sujeito em formação, que poderá passar boa
parte da vida em privação de liberdade – que deve ser um recurso de uso em apenas em casos excepcionais. Você não pode colocar
um jovem por quase metade do tempo de vida dele, se ele tiver 16
anos, por exemplo, em situação de internação. Isso pode ser
questionado, por ser inconstitucional”, considera.
Na terça-feira (16), em audiência na comissão de
direitos humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, a presidente da
Fundação Casa, Berenice Giannella, afirmou
que a proposta já vinha sendo discutida no governo antes da reação ao
crime ocorrido recentemente na zona leste da capital.
Na mesma audiência foram apresentados dados que
demonstram que a alardeada "situação extrema" a que chegaram os jovens
não é bem assim. De acordo com a Fundação Casa, dos 8.462 adolescentes
que cumprem alguma medida no estado de São Paulo somente 0,9% cometeram
ato com violência contra a pessoa. O número de reincidência também
estaria caindo. Dos jovens que deram entrada na fundação em 2006, 29%
reincidiram em ato infracional. Em 2012, o índice caiu para 13,5%. Mesmo
com o número de internações tendo subido, de 4.733 em 2006, para 6.219
em 2012, o motivo pode não ser exatamente um aumento da criminalidade
entre os jovens.
A presidente da fundação afirmou que existe um
problema com a esfera judicial, sobretudo com os juízes do interior, que
determinam internação provisória de 45 dias, com o objetivo de dar um
"sustinho" nos adolescentes, que algumas vezes foram apreendidos como
usuários de drogas, para afastá-los do crime. Considerando que a
internação deve ser o último recurso e que as unidades já sofrem de
alguma superlotação no estado, a prática pode estar causando o efeito
contrário ao esperado, além de inchar as estatísticas de internação,
causando a falsa impressão de estar aumentando a violência entre os
jovens.
Um outro problema, no projeto apresentado por Alckmin, se dá
sobre as circunstâncias de internação desses jovens. Hoje a maior
parte das unidades de atendimento está em condições precárias, e há informações de alguns estados que mantêm
adolescentes em cadeias comuns por não terem estrutura adequada.
Alves cita como exemplos Rondônia, Rio Grande do Norte e Pará, como
lugares onde a situação é mais difícil. “Isso é uma preocupação.
Os jovens ficariam mais tempo internados sob péssimas
condições de atendimento. Visitei lugares em que a condição dos
adolescentes internados é deprimente”, afirma.
Miriam avalia que o
sistema socioeducativo do país não tem condições de arcar com a
mudança proposta, nem mesmo de prover adequada inserção social dos
adolescentes. “É um sistema falido. Muitas unidades não deixam
nada a desejar a campos de concentração, com casos de morte dentro
de centros de internação. Em muitos lugares não há qualquer
iniciativa de educação, lazer, cultura, saúde, formação
profissional. Como vamos recuperar esses adolescentes se você não
dá a eles o mínimo de proteção ou políticas públicas para que
encaminhem outro projeto de vida?”, questiona.
Outra via
O Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo, aprovado no ano passado, que estabelece
diretrizes para aplicação, acompanhamento e avaliação da eficácia
das medidas socioeducativas em todo o país, ainda carece de
efetivação, o que se fará com a formação dos conselhos estaduais e
municipais, para que a política seja implementada em estados e
municípios. Esses conselhos serão fiscalizados pelo Conanda.
Na terça-feira (16), o deputado
estadual e presidente da comissão de direitos de humanos da
Assembleia Legislativa de São Paulo, Adriano Diogo (PT), afirmou que
o projeto do governador é uma suavização da redução da
maioridade penal. “É uma versão 'adocicada' da redução. Como ele
não encontrou respaldo da sociedade para propor a redução, que é
a verdadeira intenção, ele cria uma versão
juridicamente viável. Porque na realidade vão se criar instituições
prisionais específicas para os jovens enquadrados nesses crimes”,
ponderou.
Na manhã de ontem (17), a
Comissão de Constituição, Justiça e Defesa da Cidadania da Câmara dos
Deputados deu um passo no sentido de não aceitar a redução da
maioridade penal e rejeitou a inclusão na pauta do Projeto de
Decreto Legislativo 1002/03, que convoca um plebiscito para consultar
a população sobre a redução ou não da maioridade penal, do
ex-deputado Robson Tuma. Os partidos PT, PCdoB, PSDB e PSB fizeram
obstrução à votação do projeto.
A retomada das
discussões sobre a redução da maioridade penal e de projetos que
endureçam as medidas aplicadas aos adolescentes foi motivada pelo
assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos, morto por
um adolescente de 17 anos, em um assalto na porta de casa, no Belém,
zona leste, no último dia 9.
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