NOTA PÚBLICA
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO É SOLUÇÃO
O Conselho
Nacional de Assistência Social – CNAS, órgão superior de deliberação,
instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei no. 8742, de 07
de dezembro de 1993), com representatividade da sociedade civil e do poder
público, vem a público manifestar repúdio à proposta de Emenda Constitucional
(PEC) nº 171/1993, em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
da Câmara dos Deputados.
Inicialmente,
cabe destacar que a violência é um fenômeno de causas multifatoriais, como a
desigualdade social, o preconceito, a iniquidade da distribuição de renda e a
insuficiência de políticas públicas.
A
justificativa da PEC nº 171/1993 não se baseia em estudos técnicos ou
científicos que comprovem o seu argumento, mostrando-se frágil para sustentar
uma alteração constitucional, principalmente no que se refere a um artigo
considerado como cláusula pétrea, pois se trata de direitos e garantias
individuais, consagrados na Constituição Federal de 1988.
Atualmente,
não há estudos que comprovem a correlação entre o recrudescimento de sanções
aplicadas a adolescentes autores de atos infracionais e a diminuição dos
índices de violência no Brasil, assim como não se pode afirmar que a inserção
de adolescentes no regime de privação de liberdade diminuirá o sentimento de
insegurança da população.
Os setores
favoráveis que buscam desacreditar a legislação vigente, disseminando a ideia
de que o Estado deve penalizar os adolescentes, desconsideram as iniciativas
mal sucedidas de redução da idade penal em outros lugares do mundo. Países como
Alemanha e Espanha voltaram atrás da decisão da redução da maioridade em razão
de sua ineficácia tanto para a diminuição dos índices de violência quanto para
redução de atos infracionais cometidos pelos adolescentes. Estes setores
favoráveis, ainda, ignoram o fato de que a inserção do adolescente no sistema
prisional, devido à sua precariedade e ineficiência, produzirá o efeito
contrário ao pretendido, conforme aponta o estudo “Redução da idade penal:
socioeducação não se faz com prisão” do Conselho Federal de Psicologia (2013).
Não
compreendem que as medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA, legislação de referência internacional, têm caráter
sancionatório, ou seja, não há impunidade para aqueles adolescentes que cometem
ato infracional. Um adolescente pode ficar até três anos em uma unidade de
internação. Isso corresponde à metade de sua adolescência.
Nas audiências
públicas realizadas para debater a PEC nº171, magistrados e autoridades
presentes foram unânimes em afirmar que a redução da maioridade penal não
diminuirá a criminalidade no País.
Ressalta-se que
o Sistema Único de Assistência Social, por meio dos Centros de Referência
Especializados de Assistência Social - CREAS, oferta atendimento a adolescentes
que praticaram atos infracionais no Serviço de Proteção Social a Adolescentes
em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). De acordo com o Censo SUAS/CREAS
2013, de um total de 2.249 CREAS, 1.649 (73%) informaram ofertar o Serviço de
Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, atendendo um total de 89.718
adolescentes.
A maioria dos
atos infracionais que levam à determinação judicial de medidas de privação de
liberdade não envolve crimes contra a pessoa. Pesquisa do Conselho Nacional de
Justiça, de 2012, revela que os delitos cometidos por adolescentes são
predominantemente roubo, furto e tráfico, perfazendo aproximadamente 80% do
total.
É preciso
explicitar o outro lado do problema da violência envolvendo adolescentes, que
tem sido reiteradamente esquecidos pelos propositores da redução da idade
penal: os adolescentes são mais vítimas do que autores de violência. O último
Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), realizado em 2012 nas cidades com
mais de 100 mil habitantes, estimou que mais de 42 mil adolescentes poderão ser
vítimas de homicídios até 2019.
De acordo com os
dados, para cada grupo de mil pessoas com 12 anos completos em 2012, 3,32
correm o risco de serem assassinadas antes de atingirem os 19 anos de idade, a
taxa representa um aumento de 17% em relação a 2011. A IHA mostrou ainda que
adolescentes negros ou pardos possuem aproximadamente três vezes mais
probabilidade de serem assassinados do que adolescentes brancos. De acordo com
os dados das pesquisas: “Mapa da Violência 2012 e de 2013” em 2011, a
vitimização dos jovens negros também aumentou substancialmente, de 71,7%, em
2002, para 154%, em 2010.
É preciso
destacar o papel das medidas socioeducativas de meio aberto, que, de acordo com
o ECA, devem ter prevalência em relação às medidas socioeducativas de meio
fechado. As condições de muitas unidades de internação não são adequadas para o
cumprimento da medida socioeducativa de privação de liberdade. O Conselho
Nacional do Ministério Público – CNMP considera em seu recente Relatório da
Infância e da Juventude, que o “excesso de lotação nas unidades compromete
severamente a qualidade do sistema socioeducativo, (...) superando o contexto
das celas superlotadas que costumeiramente se vê no sistema prisional” (CNMP,
2013: 18).
Assim, o
Estado tem o dever de implementar o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE - Lei 12.594/2012 como resposta aos atos infracionais
cometidos por adolescentes.
Destaca-se a
importância da estruturação do SUAS, com 7.511 CRAS, 2.440 CREAS e 17 mil
entidades que compõe a rede socioassistencial e a necessidade de avançar nas
ações intersetoriais de prevenção, principalmente, com as políticas de
educação, saúde, cultura e esporte.
A aprovação
pelo Congresso Nacional da redução da maioridade penal além de contrariar a
cláusula pétrea constitucional, favorece a desproteção da infância e da
adolescência no Brasil. É preciso mobilizar a sociedade, o poder público e as
instâncias de defesa dos direitos humanos, em especial os da criança e do
adolescente, para que todos cumpram o que dispõe a Constituição Brasileira:
Art. 227 É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
O Conselho
Nacional de Assistência Social – CNAS, como integrante do Sistema de Garantia
de Direitos, se manifesta contrário à PEC nº 171/1993 e ratifica a importância
da Doutrina da Proteção Integral, que fundamenta a garantia de absoluta
prioridade para crianças e adolescentes no acesso a direitos, respeitada a
condição de pessoa em desenvolvimento, dispostos no ECA.
Tendo em vista
a falta de embasamento da PEC, a modificação proposta poderá causar impactos
irreversíveis para os adolescentes principalmente pobres, negros e a suas
famílias. Dessa forma, é importante que atos infracionais e suas respectivas
sanções sejam debatidos amplamente para que a ação do Estado não se restrinja à
segregação e ao encarceramento de parte da juventude brasileira.
Garantir
direitos e dignidade é a solução!
CONSELHO
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Brasília,
Março de 2015.
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