São Paulo – O conselheiro federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) Pedro Paulo de Medeiros disse na quinta-feira
(26) que, caso a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos
seja aprovada no Congresso Nacional, a entidade vai recorrer ao Supremo
Tribunal Federal (STF) contra a medida. “Diante da posição firme e histórica
que o conselho da OAB tem frente às propostas de redução da maioridade penal,
não tenha dúvida de que o conselho federal proporia uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin)”, afirmou.
A decisão de ingressar com uma ação no STF é
do colegiado da ordem. Na última segunda-feira (23), a OAB
encaminhou um ofício com manifestação contraria à redução da maioridade penal
para todos os deputados federais, reafirmando posicionamento já expressado em
outras oportunidades, quanto à ilegalidade da medida. Além da OAB, a
Procuradoria-Geral da República, os partidos políticos com representação no
Congresso e entidades de classe em nível nacional podem propor Adin.
A OAB argumenta que está implícito na
Constituição Federal o princípio da vedação do retrocesso. “Esse princípio
caracteriza-se pela impossibilidade de o legislador reduzir os direitos sociais
amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas
infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo e proteção de seu
patrimônio jurídico e a sedimentação da cidadania”, diz um trecho da nota
técnica, assinada pelo presidente nacional da entidade, Marcus Vinicius Furtado
Coêlho.
Medeiros também esteve presente na audiência pública
realizada na terça-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara dos Deputados, para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
171, de 1993 – de autoria do deputado Benedito Domingos (PP/DF) –, que reduz a
maioridade penal de 18 para 16 anos, justamente para defender a posição
contrária da Ordem.
No entanto, o conselheiro da OAB concorda
que, muitas vezes, a aprovação de leis no Congresso Nacional tem um caráter
meramente político e despreocupado com a legalidade das propostas. “O controle
de constitucionalidade que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) faz é o
mínimo do mínimo. Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal acaba por
declarar leis inconstitucionais”, salientou.
Na manhã de quarta-feira, o presidente da CCJ
da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), decidiu que vai colocar a PEC
171 em pauta como item único em todas as sessões extraordinárias convocadas na
próxima semana, até que a admissibilidade do projeto seja votada. A primeira
sessão será amanhã (30), às 14h.
“Vai ter tempo para discutir o projeto na
comissão especial da Câmara, depois nas duas votações na Câmara, mais a
comissão especial no Senado, mais as duas votações”, disse Lira aos deputados
que queriam mais tempo para debater a PEC.
Trâmite no Congresso
Se a PEC for considerada legal pela CCJ – admissibilidade – será criada uma comissão especial na Câmara para analisar a proposta. A comissão terá o prazo de 40 sessões do plenário para fazer o trabalho. Depois disso, o projeto tem de passar por duas votações plenárias, em que deve ser aprovado por 3/5 dos parlamentares (308 deputados). Aprovada, a matéria vai para o Senado, onde será analisada pela CCJ da casa e terá de passar por mais duas votações e ser aprovada por 54 senadores. Se o texto for alterado, a PEC volta para a Câmara. O processo só termina quando as duas casas concordarem sobre a redação final da proposta.
Se a PEC for considerada legal pela CCJ – admissibilidade – será criada uma comissão especial na Câmara para analisar a proposta. A comissão terá o prazo de 40 sessões do plenário para fazer o trabalho. Depois disso, o projeto tem de passar por duas votações plenárias, em que deve ser aprovado por 3/5 dos parlamentares (308 deputados). Aprovada, a matéria vai para o Senado, onde será analisada pela CCJ da casa e terá de passar por mais duas votações e ser aprovada por 54 senadores. Se o texto for alterado, a PEC volta para a Câmara. O processo só termina quando as duas casas concordarem sobre a redação final da proposta.
Falsos motivos
Para o militante da União de Núcleos de
Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior,
os parlamentares pretendem forçar o projeto para conseguir algum avanço na
causa da redução da maioridade penal. “A estratégia é clara. Paralelo à PEC 171
tramitam projetos de lei propondo aumentar o tempo de internação. Os deputados
favoráveis vão forçar o máximo que puderem e então vão propor o aumento do
tempo de internação como uma solução de meio termo”, defendeu.
Belchior defende que os argumentos de aumento
da violência dos jovens, de impunidade, não se sustentam e que não é verdade que
existe apoio quase unânime à proposta. “O que há é um posicionamento
superficial e despolitizado em relação ao tema”, afirmou.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
prevê seis medidas aplicáveis ao menor de 18 anos que comete algum ato
infracional – termo utilizado para definir conduta descrita como crime ou
contravenção penal: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade; internação. Todas podem ser aplicadas a partir dos 12 anos.
Cada uma das medidas é aplicada de acordo com
a gravidade do ato praticado. As quatro primeiras são aplicadas, geralmente, a
casos menos graves, em que não houve ato contra a vida de outra pessoa, como
furto, roubo e tráfico de drogas, por exemplo.
O adolescente pode ficar até nove anos
cumprindo medidas, sendo três em internação, três em semiliberdade e três em
liberdade assistida. O que derruba outro mito do ECA, de que aos 18 anos ele
deixará a responsabilização. O estatuto prevê que o jovem pode cumprir as
medidas até os 21 anos, mas sempre em estabelecimentos adequados a sua
condição.
De acordo com dados do Censo
do Sistema Único de Assistência Social, elaborado em 2014, o Brasil tinha
108.554 adolescentes cumprindo algum tipo de medida socioeducativa em 2012.
O número corresponde a 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18
anos. Destes, 20.532 (19%) cumpriam medida de internação ou semiliberdade e
88.022 (81%) estavam em prestação de serviço à comunidade ou liberdade
assistida.
No entanto, dos 108.554 adolescentes
cumprindo medidas socioeducativas, os atos contra a vida registrados eram:
homicídios (9%), latrocínio (2,1%), estupro (1,4%), lesão corporal (0,8%). No
total, esses crimes corresponderam a 13,3% do total, índice menor do que o de
adolescentes implicados em restrição de liberdade. A prática de roubo respondeu
por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%.
A legislação brasileira trata o adolescente
como alguém que vive um período de transformações, o que deve ser considerado
na responsabilização. Por isso, a maior parte dos atos deve ser tratada com
medida socioeducativa sem restrição de liberdade, com oferta de cursos e
garantia do acesso à escola. Mas o sistema socioeducativo nacional e nos
estados ainda não conseguiu universalizar as parcerias para garantir o
atendimento de todos os adolescentes.
Os Centros de Referência Especializados em
Assistência Social (Creas), estatais, são responsáveis pelo atendimento de
aproximadamente 90% dos adolescentes em medida socioeducativa. Mas 14,6% deles
não têm parcerias com escolas. Outros 55,6% não conseguem parcerias para
profissionalização dos jovens e 59,6% não têm parceiros com atividades
culturais. “O problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca
se empenharam em transformar o texto do ECA em realidade”, afirmou Belchior.
'Confusão gigantesca'
Outro ponto questionado pelos contrários a
redução da maioridade penal é a ideia de que no resto do mundo crianças e
adolescentes são punidos severamente e no Brasil reina a impunidade. “Existe
uma confusão gigantesca entre responsabilidade penal e maioridade penal. No
Brasil, a responsabilidade se dá a partir dos 12 anos. No mundo, somos um dos
países que responsabiliza mais cedo e o ECA é internacionalmente reconhecido
como uma das melhores legislações do planeta”, explicou Belchior.
Segundo dados do Centro
de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Ministério
Público Estadual do Paraná, o Brasil tem um dos sistemas de
responsabilização mais rígido entre 53 países.
Na Alemanha, na Áustria, na Itália e no
Japão, por exemplo, a responsabilização se inicia aos 14 anos. E a idade penal,
aos 21. Entre 18 e 21 anos, existe um sistema chamado “jovens adultos”, que
atenua e diferencia a punição para a prática de crimes. Na Inglaterra, onde a
responsabilidade é aplicada a partir dos 10 anos, a criança ou adolescente não
pode ter a liberdade restringida até os 15. E a Justiça inglesa também possui o
sistema de “jovens adultos”.
No Canadá, o adolescente de 14 anos pode ser
punido como adulto em casos de crimes graves. E nos Estados Unidos, país
não-signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU,
a idade mínima é 10 anos.
Posicionamentos
Na última segunda-feira, a Rede
Evangélica Nacional de Ação Social (Renas) conclamou os parlamentares,
especialmente os que se declaram evangélicos, a se posicionarem contra a
redução da maioridade penal e se envolverem na efetivação do ECA e do Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (Sinase). “Nossos parlamentares e a sociedade em
geral estaremos sendo hipócritas ao propor a redução da idade penal enquanto
não garantirmos todas as oportunidades de desenvolvimento para as nossas
crianças e adolescentes”, defendeu a entidade, em nota.
Também na segunda, o Núcleo
Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo enviou
uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se contra a PEC 171
e todas as demais propostas no mesmo sentido. O documento ressalta que outras
medidas de endurecimento do sistema penal adotadas no passado se mostraram
ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir segurança à população.
Utilizando uma pesquisa do Ministério da
Justiça, o núcleo destaca que a aprovação de leis sob forte clamor social,
vista como esperança de imediata redução dos índices de criminalidade, é
ineficaz. A promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990) tinha
este apelo. No entanto, a população carcerária no Brasil aumentou de 148 mil
presos para 361.402, entre 1995 e 2005. O crescimento de 143,91%. “O que
demonstra a incapacidade do sistema penal para, sozinho, garantir à população a
tão almejada segurança pública”, diz um trecho do documento.
Na última terça-feira, o presidente do
Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, enviou ao
presidentes da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o da CCJ,
Arthur Lira, parecer elaborado pelo jurista Evandro Lins e Silva, em 1995,
contrário à proposta de redução da maioridade penal que voltou à pauta. O
instituto também encaminhou aos parlamentares outros pareceres contrários à
medida produzidos pelas Comissões de Direito Penal e Constitucional.
No ofício, o presidente do IAB defende que a diminuição da idade penal “inviabilizaria o sistema de Justiça Penal e não iria solucionar, minimamente, as questões de segurança pública”. No parecer de 1995, Lins e Silva afirmou que “a proposta viola a Constituição Federal” e já defendia que “antecipar para 16 anos a imputabilidade penal é abreviar a corrupção, o aviltamento e a degradação do menor, fazendo-o ingressar mais cedo nas escolas de crimes que são as nossas penitenciárias”.
No ofício, o presidente do IAB defende que a diminuição da idade penal “inviabilizaria o sistema de Justiça Penal e não iria solucionar, minimamente, as questões de segurança pública”. No parecer de 1995, Lins e Silva afirmou que “a proposta viola a Constituição Federal” e já defendia que “antecipar para 16 anos a imputabilidade penal é abreviar a corrupção, o aviltamento e a degradação do menor, fazendo-o ingressar mais cedo nas escolas de crimes que são as nossas penitenciárias”.
Além destes, a Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, a Cáritas
brasileira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), o Conselho Federal de
Psicologia (CFP), o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), a Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), a
Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) e a Associação Nacional dos
Defensores Públicos (Anadep), o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), o Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCrim), movimentos sociais, sindicatos e ONGs também
já se manifestaram contra a proposta de reduzir a maioridade penal para 16
anos.
FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/03/conselheiro-da-oab-sinaliza-que-entidade-vai-questionar-reducao-da-maioridade-penal-8426.html
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