Todos os dias quando passamos nas ruas das cidades, nos depararmos com
um triste cenário. Crianças que ao invés de estarem na escola estão
trabalhando, muitas vezes para sustentar os próprios pais.
De acordo com o levantamento realizado pelo "Instituto Plan
Internacional" em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH), os números são alarmantes sobre o
trabalho infantil em nosso país.
Mais de 37% das crianças entrevistadas prestam serviço em domicílios,
cuidando de outras crianças, fazendo faxina e outras atividades
domésticas. Outras 17,5% contam que trabalham em estabelecimentos
comerciais; 7% em atividades relacionadas à agropecuária ou à pesca; 6%
em fábricas; e 5% ficam nas ruas vendendo objetos, recolhendo material
reciclável, vigiando ou limpando carros.
É um tapa em nossa cara, um quadro estarrecedor. São milhões de cérebros
que daqui vinte anos não irão criar nada porque abandonaram os bancos
escolares. Muito provavelmente, entrarão no mundo da marginalidade, das
drogas, para aumentar ainda mais a violência no Brasil.
Criança não deveria trabalhar. Todo trabalho infantil é uma exploração. E
deve ser combatido. A infância é o período onde o ser humano
desenvolve-se psicologicamente, envolvendo graduais mudanças no
comportamento da pessoa e na aquisição das bases de sua personalidade.
Retirar esse direito da criança, é retirar o mundo feito de fantasias,
sorrisos e brincadeiras.
Ser criança é aceitar o novo e desejar o máximo. O Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) proíbe o trabalho de crianças com menos de 16
anos, salvo na condição de menor aprendiz a partir dos 14 anos e com o
devido acompanhamento. A pesquisa mostrou também que os instrumentos que
asseguram os direitos da criança e do adolescente ainda são bastante
desconhecidos. Pelo menos 70% delas nunca ouviram falar do ECA.
Ser criança é aventura, é desafio. Seu lugar não é no trabalho, é na
escola. Os pais possuem um papel fundamental na evolução escolar, além
de serem os responsáveis pela sustentação dela. Portanto, mesmo que
estejam matriculadas na escola, as crianças - com acompanhamento dos
pais - têm a obrigação de chegar em casa e fazer tarefas escolares. O
tempo livre é para brincar.
Segundo especialistas, dificilmente o Brasil alcançará a meta de
erradicar o trabalho infantil até 2020, caso a iniciativa privada e,
principalmente, o Poder Público não intensificarem esforços nesse
sentido.
Em 1994, várias entidades e movimentos da sociedade civil brasileira e
alguns organismos internacionais criaram o Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil para pressionar os governos e
empresas. Mas o desafio é muito grande. Envolve desde ainda uma ideia
velha e errada de que trabalhar ajuda a educar, até a ganância das
pessoas que exploram as crianças e o desaparelhamento do poder público
em fiscalizar e punir empresas.
Sabemos, porém, que o melhor caminho é investir-se mais e mais em
educação de qualidade e em escolas de tempo integral. Há indicadores de
que isso está acontecendo. Mas a velocidade é muito menor do que seria
necessário.
No caso da educação, os indicadores recentes mostram que há pequenas
melhorias na educação fundamental. Porém, o ensino médio continua
apontando problemas graves, que geram evasão e repetência. Além disso,
apesar do crescimento no número de alunos matriculados em cursos
superiores, houve uma queda no total de formandos.
Uma das consequências graves da queda no número de formandos no segundo
grau e superior pode ser creditado, sem dúvida, ao descaso com essas
crianças. Afinal, são 59 mil alunos a não concluírem o ensino superior,
apontado pela MEC. Houve uma redução de 5,7% no número de alunos de
graduação que concluíram os cursos em todas as unidades da federação. O
ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) e professor da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (UnB) Luiz Araújo ressalta que esta é a
primeira vez que o decréscimo é registrado, em um período de 10 anos.
O Brasil somente vai ser um país desenvolvido e justo se todas as
crianças tiverem acesso a escolas de qualidade, em horário integral, e
nossos jovens puderem seguir em cursos que lhes preparem para o trabalho
e para os desafios de uma economia que cada vez mais depende da
inteligência, da tecnologia e do conhecimento.
*VICENTE VUOLO É cientista político e analista legislativo do Senado Federal.
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