Recadastramento
biométrico viola direitos humanos, afirma professor, que levanta outras duas
fontes de preocupação: a capacidade dos serviços de inteligência dos EUA
interferirem em resultados eleitorais e o fato de eles poderem acessar dados de
eleitores brasileiros.
Depois
das denúncias feitas por Edward Snowden sobre a tamanha capacidade tecnológica
da Agência de Inteligência Americana (NSA), começam a surgir informações sobre
a interferência dessa agência numa eleição eletrônica. Em resumo, a NSA tem a
habilidade de, direta e eletronicamente, interferir nos resultados de uma
eleição, através da conexão eletrônica (backbone) da internet. Assim sendo,
pelo que se comenta, a NSA tem a habilidade técnica de acessar os dados de
eleitores registrados numa base de dados, de adicionar ou subtrair votos numa
eleição, determinando o resultado como bem lhe interessa.
Isto vem
demonstrar, mais uma vez, a fragilidade e insegurança de uma votação
eletrônica, sobretudo com dados navegados pela internet. Por esta razão, países
com alta capacidade de espionagem como Alemanha e Rússia, jamais usariam o voto
eletrônico, como acontece no Brasil. Além de escaparem da espionagem, estes
países não expõem seus eleitores à violação de seus direitos humanos.
Com
certeza, o governo brasileiro sabe de todos esses avanços tecnológicos e das
possibilidades de espionagem por parte de outros países. O envolvimento de
corporações americanas com as tecnologias de voto eletrônico, biometria e
várias outras, por si só, já permite que as informações de eleitores
brasileiros sejam incorporadas à base de dados dos serviços de inteligência dos
Estados Unidos. Infelizmente, ainda temos aqueles que, ingênua ou maldosamente,
ainda dizem: não devo, não temo.
A tática
de surpresa do governo brasileiro sobre a espionagem americana foi a mesma
adotada por países como a França e Alemanha, embora tardiamente. Inicialmente,
França e Alemanha demonstraram surpresas com a espionagem e pediram explicações
sobre o ocorrido. Quando o governo americano deu a entender que estes países
não só colaboravam com as práticas de espionagem da NSA, mas, também, as
praticavam, a tática de mudez foi utilizada. Segundo a imprensa, franceses,
alemães e americanos estavam todos na mesma cama, praticando a espionagem.
Similarmente,
o governo brasileiro inicialmente fez um grande barulho, mostrando-se surpreso
com a espionagem. Pedidos de explicações às autoridades americanas e até pedido
de uma CPI foram registrados. Depois que a imprensa divulgou que o governo não
só sabia da espionagem como colabora com ela, surgiu a tática da mudez sobre o
assunto. Surpreendentemente, tudo nos leva a crer que quem está mais falado a
verdade sobre a prática de espionagem é o governo americano. Portanto, as
reações desonestas de alguns governantes às revelações de espionagem lhes
causaram tantos danos quanto a própria espionagem.
As
garantias constitucionais e os direitos humanos dos eleitores brasileiros são
violentados, a partir do momento em que o voto eletrônico não mais permite que
o eleitor controle e fiscalize o seu voto. Tudo é feito por empresas e
corporações privadas. Apesar dos elevados gastos com eleições eletrônicas
durante os últimos dez anos, não existe uma avaliação sobre a utilização desta
tecnologia no nosso país. Com certeza, o voto eletrônico não contribuiu para a
melhoria da cidadania dos eleitores brasileiros. Estamos participando mais da
vida política do país, por exemplo? Pelo que estamos vendo no momento, nunca os
políticos estiveram tão distante de seus eleitores. Por que não existe
transparência sobre a utilização e gastos com a tecnologia do voto eletrônico?
Quais as empresas e corporações envolvidas direta ou indiretamente com as
eleições no Brasil? Diante de tantas controvérsias e falta de transparência,
não se conhece ainda a verdadei ra história do voto eletrônico no Brasil.
No
momento estamos assistindo ao recadastramento biométrico dos eleitores
brasileiros. De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos e do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, esta prática viola os
direitos humanos dos eleitores. Muitas questões precisam ser respondidas sobre
essa prática no país. Quais as corporações envolvidas, direta ou indiretamente,
com o recadastramento biométrico? Existe alguma legislação que oferece garantias
aos cidadãos brasileiros sobre esta prática? Quais os argumentos para a sua
implantação? Sabemos que a tecnologia biométrica foi introduzida no Haiti há
poucos anos. Por que razão a mesma está sendo implementada no Brasil? Não
parece existir nenhuma justificativa para se fazer um recadastramento
biométrico no Brasil, a não ser para atender o interesse de corporações
privadas e os processos de espionagem.
Enquanto
os países desenvolvidos não tem interesse em utilizar uma tecnologia que
afronta os direitos humanos de seus cidadãos, o Brasil e outros países do
Terceiro Mundo estão embarcando nesta aventura, em nome da modernidade. Se não
conseguimos vislumbrar nenhum ponto positivo quanto à utilização destas
tecnologias no nosso país, podemos facilmente deduzir que elas servem, pelo
menos, para alimentar a base de dados dos serviços de inteligência dos países
desenvolvidos. É lamentável que organizações que se dizem defender os direitos
humanos no Brasil aprovem estas tecnologias.
O
recadastramento biométrico, feito de forma compulsória em várias partes do
país, está submetendo milhares de eleitores a situações humilhantes, quando
muitos tem que madrugar nas filas para obtenção de uma ficha. O pior de tudo
isto é que o fornecimento de dados pessoais talvez não sirva para ampliar os
direitos e garantias dos cidadãos, podendo servir apenas para atender aos
interesses de corporações privadas ambiciosas. Se o governo não demonstra
preocupações com os direitos humanos de seus cidadãos e a própria Justiça é defensora
de tecnologias tão criticadas e inseguras, que providências legais nos restam
para proteger nossa privacidade e nossa identidade?
Estamos
diante de tecnologias orientadas para a globalização, adquiridas dos países
desenvolvidos, a custa de elevados investimentos, implementadas com todo o
apoio do governo para facilitar que tais países tenham um controle mais
completo e uma vigilância mais ampla de cidadãos brasileiros, através de uma
criminosa invasão de privacidade. Nesta dependência e subserviência vergonhosa
do governo brasileiro, estamos nos tornando eleitores sem liberdade e
democracia, encurralados à força, no momento, para um recadastramento
biométrico, sob o falso argumento legal-autoritário de que poderemos perder
nossos direitos de cidadão, se não quisermos nos submeter ao humilhante teste
biométrico, orientado para nos tornar um item de classificação para as regras
de vigilância e espionagem dos chamados serviços secretos.
José Rodrigues Filho é Professor da Universidade
Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns
Hopkins (EUA). Mantém o blog http://jrodriguesfilho.blogspot.com/.
Por: José
Rodrigues Filho
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